Wednesday, April 7, 2010

A natureza aérea - comentário a um filme


O recente filme Up in the air de Jason Reitman com protagonismo de George Clooney é um bom material para estudar a ideologia contemporânea.
A película trata de um homem - Ryan (Clooney) - que, a mando de uma grande empresa, tem de se deslocar constantemente a diversos pontos dos EUA com o fim específico de despedir trabalhadores de outras firmas assim estas requeiram os seus serviços. A grande quantidade de trabalho, devida aos frequentes despedimentos em massa, torna-o uma das pessoas do mundo com mais milhas aéreas percorridas, alguém cuja verdadeira casa se situa no ar e não em terra. Um dia, uma psicóloga recém-contratada para a empresa de Ryan decide implementar um sistema de despedimento à distância, por vídeo-conferência. Ryan manifesta-se contra este sistema por o achar desumano e ineficaz. Grande parte do filme desenrola-se enquanto viajam pelo país fora para pôr meio mundo no olho da rua, com o protagonista a tentar mostrar à jovem psicóloga a dura realidade do acto de despedimento. Simultaneamente, Ryan vive o drama do sedentarismo vs. nomadismo; criar família e raízes ou manter a louca vida de aeroportos e quartos de hotel. No fim, a jovem psicóloga sai da empresa por não aguentar a carga emocional, o que é positivamente valorizado por Ryan. Este, apesar de tudo, fica na empresa e opta por manter o seu estilo de vida.

Aqui temos um retrato actual do capitalismo. Face a uma grande crise, a adaptação do sistema leva à perda de milhões de postos de trabalho. Ryan é a corporização do mecanismo capitalista de acção. Despede friamente centenas de pessoas, mas, ambiguamente, ao longo do filme percebe-se a sua preocupação por manter esse acto humano e respeitoso. Tal é a cortesia actual do sistema político-económico: precipitar um rumo inexorável, mas comunicar que tudo irá correr pelo melhor, que o bem-estar de cada um é uma prioridade. Despedimento após despedimento, Ryan repete uma máxima a trabalhadores desesperados (algo mais ou menos assim): "Lembre-se que todos os que vieram a ter sucesso e a conquistar o mundo estiveram sentados no seu lugar". O despedimento é afinal algo bom, há sempre esperança de se vir a ter uma vida melhor.
Porém, para mim, o busílis do filme está precisamente no aspecto relacionado com o seu título, Up in the air. O título do filme é das frases que mais bem caracterizam o sistema capitalista. A sua natureza não pertence a nenhum lugar nem a nenhuma cultura, não tem raízes: é aérea, transversal. Por isso se tem adaptado tão bem a diversas realidades culturais, regimes democráticos ou não. Neste sentido, o filme é um objecto simbólico que representa a suprema liberdade do capitalismo como entidade própria: já nem os EUA o podem controlar, pois ele, para sua sobrevivência, coloca na precariedade o bom e velho cidadão trabalhador americano. Nada há a fazer. O filme explicita, portanto, o descolamento deste sistema económico do lugar onde mais floresceu em direcção a um espaço etéreo e apátrida. Ryan, o arcanjo capitalista, tem de seguir o seu destino nómada.

3 comments:

  1. Gostei! Fiquei com vontade de ver o filme :)

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  2. ah, esqueci-me de dizer que o filme não é bom.

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  3. Vou ver... às vezes também temos que ver filmes maus, não? Caso contrário, nunca os distinguiremos dos bons

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